MOSCOU*
Vamos, menino, vamos que o avião não espera. Avião? Sim, avião ou você acha que chegaremos a tempo se formos de ônibus? A viagem é longa. Moscou é longe! De tudo o que minha mãe disse, só me ficou nos meus ouvidos a palavra avião. Eu ia andar de avião pela primeira vez e não sabia bem o motivo.
Minha mãe, meu pai e meus três irmãos estavam com cara de choro. Só eu estava alegre. O telefone tocava muito, minha mãe falava com os parentes de Moscou. Já estamos de saída. Até breve, ouvi minha mãe dizer à minha tia Olga.
Nunca entendi bem a história da família de minha mãe ter vindo de Moscou. Meu pai me explicou que não era a Moscou comunista, era uma cidade brasileira com o mesmo nome. Onde não tem comunista, gritava meu pai, sempre exaltado quando se falava de igreja, fé, deus, políticas e essas coisas.
Na verdade, fosse para onde fosse, o que me interessava era andar de avião. Chegamos ao aeroporto. Meu pai despachou as malas e ficamos aguardando a hora de embarcar. Enquanto isso, eu aproveitava para ver os aviões, o movimento das pessoas...
Depois de um tempo, entramos no avião. A escadinha apertada obrigava-nos a subir um atrás do outro. O choro de minha mãe aumentava à medida que subíamos. Eu achava que era medo de voar. No avião, meu pai sentado ao lado dela, confortava-a.
As luzes acesas da cabine, o aviso pra fechar o sinto. A explicação da aeromoça em caso de desastre. As máscaras, as portas de saída. Aos meus olhos, tudo parecia uma brincadeira. De repente, o avião começou a se movimentar. Um zumbido forte entrou na minha cabeça. Senti os ouvidos doerem. Logo, logo estávamos voando.
Era bonito ver o mundo de cima. Tudo parecia de brinquedo. E lá embaixo o que são ruas, casas, quadras, prédios, telhados, pareciam de cima uma jogo de Lego. A moça do avião me trouxe refrigerante, acariciou o meu rosto, e eu gostei. Ela era bonita e li no seu crachá o nome Natália.
Dormi um pouco. Depois, comecei a sentir novamente o zumbido. Infelizmente, era a hora de descer e o avião fazia o mesmo barulho pra subir. A viagem não foi longa. Pisamos em terra. Meu pai foi pegar as malas. Minha tia Maria nos aguardava.
A viagem do aeroporto até Moscou foi longa. O carro balançava muito. Só chegamos à noite. Quando minha mãe encontrou minha tia Olga, junto com minha tia Maria, as três irmãs choraram. Meu pai novamente se colocou ao lado de minha mãe.
Quando entramos na sala, vi um caixão estendido. A altura não me permitia ver quem estava nele. Mas não foi difícil deduzir que era o velório do meu avô. Minha mãe agarrou-se ao caixão e ficou horas rezando.
Meu tio Andrei apareceu na sala, cumprimentou a todos e levou-me para o quarto, onde meus irmãos já dormiam. Só eu, que dormira no avião, estava ainda de pé e por ser o menor deles, na emoção da chegada, fui esquecido entre os adultos que se encontravam na sala.
Pela manhã, chegou a hora de enterrar meu avô. O padre rezou a missa, encomendou o corpo. As três irmãs e meu tio Andrei estavam prontos para o ritual que toda família seguia há anos. Primeiro foi meu tio, depois minha mãe, Irina, de branco, seguida de minha tia Maria, vestida de preto e por último minha tia Olga, vestida de azul. Todos beijaram meu avô morto.
Mas não parou por aí. O ritual de beijar o defunto foi seguido por toda a família até chegar a minha vez, o neto mais novo. Naquele momento, senti pagar a peso de ouro o preço de minha primeira viagem de avião durante a qual só eu ria e meus irmãos choravam porque também sabiam que teriam que beijar meu avô morto.
Quando beijei meu avô, meus irmãos me olhavam com o riso no canto da boca. Era um riso tímido, porém era riso. Foi assim que eu entendi o ditado de quem ri por último ri melhor.
Vamos, menino, vamos que o avião não espera. Avião? Sim, avião ou você acha que chegaremos a tempo se formos de ônibus? A viagem é longa. Moscou é longe! De tudo o que minha mãe disse, só me ficou nos meus ouvidos a palavra avião. Eu ia andar de avião pela primeira vez e não sabia bem o motivo.
Minha mãe, meu pai e meus três irmãos estavam com cara de choro. Só eu estava alegre. O telefone tocava muito, minha mãe falava com os parentes de Moscou. Já estamos de saída. Até breve, ouvi minha mãe dizer à minha tia Olga.
Nunca entendi bem a história da família de minha mãe ter vindo de Moscou. Meu pai me explicou que não era a Moscou comunista, era uma cidade brasileira com o mesmo nome. Onde não tem comunista, gritava meu pai, sempre exaltado quando se falava de igreja, fé, deus, políticas e essas coisas.
Na verdade, fosse para onde fosse, o que me interessava era andar de avião. Chegamos ao aeroporto. Meu pai despachou as malas e ficamos aguardando a hora de embarcar. Enquanto isso, eu aproveitava para ver os aviões, o movimento das pessoas...
Depois de um tempo, entramos no avião. A escadinha apertada obrigava-nos a subir um atrás do outro. O choro de minha mãe aumentava à medida que subíamos. Eu achava que era medo de voar. No avião, meu pai sentado ao lado dela, confortava-a.
As luzes acesas da cabine, o aviso pra fechar o sinto. A explicação da aeromoça em caso de desastre. As máscaras, as portas de saída. Aos meus olhos, tudo parecia uma brincadeira. De repente, o avião começou a se movimentar. Um zumbido forte entrou na minha cabeça. Senti os ouvidos doerem. Logo, logo estávamos voando.
Era bonito ver o mundo de cima. Tudo parecia de brinquedo. E lá embaixo o que são ruas, casas, quadras, prédios, telhados, pareciam de cima uma jogo de Lego. A moça do avião me trouxe refrigerante, acariciou o meu rosto, e eu gostei. Ela era bonita e li no seu crachá o nome Natália.
Dormi um pouco. Depois, comecei a sentir novamente o zumbido. Infelizmente, era a hora de descer e o avião fazia o mesmo barulho pra subir. A viagem não foi longa. Pisamos em terra. Meu pai foi pegar as malas. Minha tia Maria nos aguardava.
A viagem do aeroporto até Moscou foi longa. O carro balançava muito. Só chegamos à noite. Quando minha mãe encontrou minha tia Olga, junto com minha tia Maria, as três irmãs choraram. Meu pai novamente se colocou ao lado de minha mãe.
Quando entramos na sala, vi um caixão estendido. A altura não me permitia ver quem estava nele. Mas não foi difícil deduzir que era o velório do meu avô. Minha mãe agarrou-se ao caixão e ficou horas rezando.
Meu tio Andrei apareceu na sala, cumprimentou a todos e levou-me para o quarto, onde meus irmãos já dormiam. Só eu, que dormira no avião, estava ainda de pé e por ser o menor deles, na emoção da chegada, fui esquecido entre os adultos que se encontravam na sala.
Pela manhã, chegou a hora de enterrar meu avô. O padre rezou a missa, encomendou o corpo. As três irmãs e meu tio Andrei estavam prontos para o ritual que toda família seguia há anos. Primeiro foi meu tio, depois minha mãe, Irina, de branco, seguida de minha tia Maria, vestida de preto e por último minha tia Olga, vestida de azul. Todos beijaram meu avô morto.
Mas não parou por aí. O ritual de beijar o defunto foi seguido por toda a família até chegar a minha vez, o neto mais novo. Naquele momento, senti pagar a peso de ouro o preço de minha primeira viagem de avião durante a qual só eu ria e meus irmãos choravam porque também sabiam que teriam que beijar meu avô morto.
Quando beijei meu avô, meus irmãos me olhavam com o riso no canto da boca. Era um riso tímido, porém era riso. Foi assim que eu entendi o ditado de quem ri por último ri melhor.
----------------
* O argumento deste conto – a primeira viagem de avião de um menino para o velório do seu avô, a quem todos os parentes beijavam antes do sepultamento – foi inspirado nas falas de um dos atores do documentário “Moscou”, de Eduardo Coutinho.